A minha consideração por Cavaco bateu no fundo
De um Presidente da República não espero que seja “um dos nosso”, espero antes que seja “um de todos”, capaz de perceber que é na diversidade que o país encontra o seu caminho. Não é importante que tenha sido o candidato em que votei, importa sim que seja um homem de princípios e mais importante do que serem exactamente os meus sejam alguém que se oriente segundo princípios e não por interesses.
Saramago não era um do meus e eu admirava-o, Sá Carneiro não era um dos meus e merecia o meu respeito, Lucas Pires não era um dos meus e sempre teve a minha consideração, Ramalho Eanes não é um dos meus e merece que o admire, são muitos aqueles que não me convencendo a partilhar dos seus ideais conquistam a minha estima, uns ainda o conseguem, outros mereceram-na para todo o tempo em que eu cá andar.
São gente grande, capaz de ultrapassar a mesquinhice, de respeitar e ter consideração pelos adversários, de amar para além dos netinhos, de ambicionar para além da sua dimensão. É isto que se espera de uma instituição como a Presidência da República, uma instituição que os portugueses aprenderam a respeitar porque por lá passou gente grande, gente diferente mas que foi capaz de enriquecer o cargo.
A Presidência da República de hoje é muito mais do que determina Constituição, é o humanismo de Jorge Sampaio, é o rigor e honestidade de Ramalho Eanes, é a grandeza de ideias e de cultura de Mário Soares, até é a entrega de Costa Gomes.
É evidente que Cavaco Silva não tem a grandeza de Soares, a generosidade de Sampaio ou a elevação de Ramalho Eanes, diria mesmo que pela sua dimensão dificilmente conseguiria enriquecer o cargo que assumiu. Mas já que dificilmente conseguiria enriquecê-lo, poderia tentar deixar como o encontrou. Infelizmente não está a conseguir.
Quando completou 70 anos fez-se fotografar com a família nos jardins como se fosse a família real dos Silvas, quando veio o Papa voltou a reunir a “família real” para receber o Papa no seu palácio e até ficou extasiado porque Bento XVI repetia o nome dos netinhos. Durante uma semana a Presidência da República foi transformada numa sacristia familiar, mas quando foi necessário enfrentar a reacção do voto gay descobriu que Portugal enfrentava uma crise e o parlamento não podia perder uma hora a discutir o casamento gay.
Mas se para receber o Papa Cavaco se transforma a Presidência da República na família dos Silvas, para homenagear um prémio Nobel o Presidente da República acha que funerais é coisa para amigos próximos, pior ainda, não foi mas mandou o chefe da Casa Civil apresentar os pesamos à família, como se a qualidade do correio enobrecesse o conteúdo da missiva. Quando deve ser o Presidente a aparecer lá aparece a família, quando acha que não deve aparecer porque é um assunto de família manda o chefe da Casa Civil.
O país pode ser pobre, viver permanentemente em crise, enfrentar sucessivos pecs e planos de austeridade, mas apesar de todas estas dificuldades sempre encontrou grandeza na instituição Presidente da República. Agora tem alguém que não se cansa de dizer que sabe muito de economia como se este país fosse uma mercearia, como se o Presidente fosse o técnico oficial de contas de Portugal.
Ramalho Eanes não foi presidente por ter muita pontaria, Sampaio não o foi por saber falar inglês e Soares não foi eleito por ser culto, foram presidentes por serem homens nobres, por desprezarem a mesquinhez, por saberem respeitar e fazer-se respeitar.
Não é o caso de Cavaco Silva, pode saber muito de economia mas para Presidência da República é como se não soubesse comer com faca e garfo, não percebe que o cargo é maior do que ele próprio, não resiste à tentação de permitir à família tiques de família real, é incapaz de resistir à tentação de exercer os seus poderes para além do admissível como se viu no caso da conspiração das escutas protagonizada pelo seu braço direito.
Não espero que Sócrates ajude Cavaco a concluir o mandato com dignidade, apenas desejo que termine quanto antes e a Presidência da República retome a tradição da democracia portuguesa, que esteja lá alguém que não se deixe enredar na mesquinhice humana e saiba engrandecer o cargo.
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