Acordar com a mãe a dizer 'há uma revolução'. ter dez anos mas saber que é bom uma revolução. gritar, pular na cama. a mãe ri mas assusta-nos: 'não gritem, o vizinho do primeiro andar é da união nacional'.
televisão o resto do dia. homens de farda, o eládio clímaco (era ele, não era?) e o fialho gouveia. aquelas cortinas no fundo, as cadeiras à frente, gente a ler discursos com cara séria, o spínola. saber quem é o spínola: dias a falar dele por causa do livro, em casa e na escola. 'deixem lá estar o tomás que até tem jeito para aquilo', disse no pátio, ainda ontem, uma miúda da minha turma. não: o tomás não fica.
o largo do carmo. francisco sousa tavares em cima de uma árvore. soldados em cima de tanques em pose, cravos, uma alegria nova, deslumbrada. nunca mais a gnr na rua de sabre ao alto, nunca mais ter medo de cantar zeca afonso, nunca mais ter medo de gritar revolução por causa do vizinho da união nacional. esquecer este nome: união nacional. esquecer a voz de marcelo e de tomás, esquecer as fitas cortadas nas inaugurações (porquê fitas cortadas?), a música sobre as imagens, sempre a mesma. descobrir os partidos e os autocolantes e as discussões políticas, descobrir que todos temos opiniões sobre tudo, que agora depende de nós -- de nós, sem 'eles' -- e que desta vez é que é de vez, desta vez é que não falha.
não falhou -- seja o que for que se sinta, pense e diga, seja qual for o grau de indiferença que agora acolha esta ideia. magnífica ideia, magnífico dia. o esplendor de tê-lo vivido.
Fernanda Câncio
Sem comentários:
Enviar um comentário