ESPERTEZA SALOIA
«Segundo Raul Proença o termo "esperteza saloia" tem origem na "sistemática atitude de desconfiança" dos assim denominados habitantes dos arrabaldes de Lisboa. Conta um juiz que era hábito, em caso de conflito, o saloio consultar dois advogados, apresentando a um a sua versão e, ao outro, a do opositor, de forma a avaliar melhor as suas hipóteses.
No entanto, o pouco apreço dos alfacinhas pelos saloios, o escárnio teatral e a imagem do camponês simplório cultivador de hortas, foram tornando a expressão numa denotação depreciativa dirigida àqueles que se julgam mais espertos do que os outros. A esperteza saloia resultando assim invariavelmente no oposto do desejado. Ou seja, na revelação da tramóia, da mentira ou da dissimulação e na ridicularização do seu autor.
A moção de censura do BE é um caso típico desta esperteza saloia. Louçã e seus apaniguados terão imaginado conseguir o pleno, dando um golpe em simultâneo contra o PC, o PS e a direita e marcando a agenda política durante um mês, ou seja, aparecendo todos os dias nas televisões. Acontece que a operação foi tão inoportuna e vil que em poucos dias o feitiço se virou contra o feiticeiro.
Já não bastava a humilhação da estrondosa derrota de Alegre, agora o BE deu mesmo um descomunal trambolhão. Há mesmo quem já o compare com o PRD que se esfumou no mesmo tipo de peripécias inconsequentes. Em resultado, nunca se viu tanto bloquista aflito desdobrando-se em textos, entrevistas e múltiplas explicações que não explicam nada.
Demasiado habituados à benevolência dos "media", onde a espuma e os dichotes enraivecidos de Louçã dão sempre um bom boneco, os bloquistas ainda estão convencidos que conseguem dar a volta por cima. Mas é improvável.
Este tipo de política, golpista, calculista, desonesta e sobretudo sem qualquer sentido ou utilidade prática, não é deste tempo. Já ninguém tem paciência para estas cenas torpes.
Raymond Chandler, com o seu estilo económico e sempre direto ao assunto, tem uma frase notável para descrever uma personagem que não me canso de citar. "Passou toda a vida a tentar subir da sarjeta até ao passeio. Nunca lá chegou". É que não se pode chegar ao passeio com os hábitos da sarjeta. E o Bloco, que um dia imaginou que poderia ser o partido renovador da esquerda, tem resvalado cada vez mais para a sarjeta da história onde, efetivamente, nasceu.
À época a coisa pareceu uma inovação, ainda que do género quimérico. Marxistas, estalinistas, trotskistas (tendência mandelista, o que quer que isso queira dizer), maoistas, ex-MRPP, ex-PC, sindicalistas, ambientalistas, grupos de género, anti-racistas, juntaram-se numa incrível tropa-fandanga com o objetivo de disputar terreno ao decadente PC e abalar o PS. Mas burro velho não aprende línguas. Esta gente formou-se no pior do esquerdismo e sua cultura dos pequenos chefes e ainda mais das parcas e anacrónicas ideias.
Adoradores do estado, do centralismo, do nacionalismo, das hierarquias, com horror à evolução social, cultural e tecnológica e sobretudo tementes da liberdade individual, depressa transformaram a amálgama oportunista num partido retrógrado com o seu amado líder, a sua opacidade e uma notória falta de democracia interna. O processo de decisão sobre a moção de censura foi em tudo similar ao que habitualmente se passa no PC. Os chefes decidem e os militantes obedecem e aderem, mesmo quando acham que a coisa é um disparate, o que no caso se apresenta como uma evidência para toda a gente.
"Salvam-se" as poucas vozes dissonantes, repartidas entre os pobre-coitados dos ditos moderados e os trogloditas, verdadeiros fósseis vivos que se reclamam do velho trotskismo e do maoismo. Nestas faunas as nomenclaturas são sempre muito confusas, acrescente-se.
Enfim, este episódio patético vem mostrar que, apesar do novo nome, estamos perante uma velha esquerda, belicosa, intempestiva e sem outra visão que não seja a das supostas grandes glórias do passado as quais, bem vistas as coisas, nunca passaram de enormes tragédias coletivas invariavelmente manchadas de ódio, sangue e derrota. Nos dias que correm, tal como outrora, continuam a cumprir o papel de testas-de-ferro da direita. Que ninguém se iluda. » [Jornal de Negócios]
Autor: Leonel Moura.(Jornal de Negocios)
Via: http://jumento.blogspot.com/
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