sexta-feira, 25 de março de 2011

Isto não são cerejas !


Como vamos construir o caminho para o tempo das cerejas?

Agradeço ao Vitor Dias o espaço que dedicou no seu blog ao meu último post. Com sincero respeito e humildade, deixo aqui a minha resposta.

1. Vitor Dias é há décadas militante de um partido rico, denso e complexo. Teve funções de direcção nesse partido durante muitos anos. Durante a era Carvalhas (perdoe-me a simplificação), enquanto responsável pelas relações com a comunicação social, Vitor Dias revelou uma eficácia rara ao fazer passar as posições de uma organização política fora do mainstream, num ambiente mediático quase sempre hostil. Nos últimos anos mantém um blog que se destaca pela qualidade no debate político em Portugal. Pela minha parte, nunca fui militante de nenhum partido (não que me orgulhe disso), só muito pontualmente fui incumbido de responsabilidades minimamente relevantes em qualquer coisa que tenha a ver com a política nacional, não me dedico regularmente à análise e ao comentário políticos, e tenho neste blog um dos pouco espaços de intervenção cívica que ocupo (aquele que me é possível nas condições de vida que tenho), quase sempre sobre temas ligados à minha profissão (a de economista e de professor). Face a isto, discutir política com Vitor Dias seria para mim como discutir a economia da depressão com Paul Krugman. Não vou fingir que sei mais do que sei - e, até melhor prova, tendo a aceitar como plausíveis muitas das dúvidas que Vitor Dias levanta sobre aquilo que escrevi.


2. Dito isto, creio que Vitor Dias se precipitou ao colar-me a uma leitura simplista das posições do PCP e do BE. Não que me reveja na ideia de que, sendo um mero cidadão atento (como tantos outros), tenho a “obrigação de conhecer extensos documentos e intervenções parlamentares na íntegra”, como escreve Vitor Dias. Mas tive a oportunidade de ler as resoluções do PCP (por sinal, tomei conhecimento dela através d’O Tempo das Cerejas) e do BE que foram hoje votadas. E fiquei bem impressionado com o esforço de ambos os partidos no sentido de explicitarem as suas propostas de caminhos alternativos, nas quais me revejo quase na íntegra. De facto, no meu post não as discuti e, porventura, não terei contribuído para evitar as leituras preguiçosas que Vitor Dias refere. No entanto, parece-me que esta questão passa ao lado do problema.


3. O momento que vivemos assemelha-se cada vez mais aos descritos por Naomi Klein no seu livro “A Doutrina do Choque”. Os problemas financeiros são reais e o espaço de manobra para lhes dar resposta é cada vez mais diminuto. São condições bastantes para quem, tendo os meios para isso, queira navegar a onda do medo e da desorientação para impor as suas agendas. A generalidade dos portugueses já acredita que a perda de poder de compra, o desemprego, a diluição de salários e direitos e a destruição dos serviços públicos vieram para ficar. O PS de Sócrates encontra aqui uma oportunidade para fazer passar medidas que noutras ocasiões não teria coragem para propor. O PSD de Passos Coelho vislumbra uma ocasião única para entregar de vez a quem lhe paga as campanhas diversos serviços públicos que deveriam ser universais, bem como para destruir um conjunto de instituições e de princípios que, apesar de todos os recuos, vinham assegurando a possibilidade de construirmos uma sociedade minimamente decente. Instituições e princípios que muitos – incluindo o PCP, o BE, uma parte relevante do PS e muitos cidadãos com ou sem partido – contribuíram, ao longo de décadas, para construir e defender.

4. Neste contexto, não creio que erre na análise quando escrevo que o PCP e o BE "não têm conseguido fazer muito mais do que anunciar que vem aí o desastre". Para evitar o plano inclinado para uma sociedade indecente não basta ao PCP e ao BE afirmarem que existem alternativas. Em primeiro lugar, seria importante que todos conseguissem perceber que as suas propostas existem e são plausíveis sem terem necessidade de "conhecer extensos documentos e intervenções parlamentares na íntegra". Mais importante, é necessário que PCP e BE consigam deixar claro que não será por sua responsabilidade que a doutrina de choque se imporá. Mais ainda, que consigam demonstrar a quem os ouve que farão os possíveis para encontrar uma solução que evite o desastre. Como eleitor de esquerda e cidadão atento (e não como analista ou comentador, que não sou) não vislumbro sinais da parte dos partidos a quem habitualmente confio o meu voto de que podem fazer algo para que o inevitável não o seja. E garanto que me esforço.

5. Honestamente, não sei como isso se faz. No quadro parlamentar que hoje se dissolveu, parecia-me claro que tal teria de passar por uma intervenção articulada entre PCP e BE. No entanto, não estou inteiramente ciente das vantagens e desvantagens das diferentes opções tácticas. Não sendo militante e muito menos dirigente do PCP ou do BE, não sinto grande necessidade ou utilidade de me inteirar desses cálculos. Mas sinto que não estou sozinho quando afirmo que espero mais destes partidos do que estes têm sido capazes de propor.

Postado por Ricardo Paes Mamede
http://ladroesdebicicletas.blogspot.com/

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