sexta-feira, 10 de setembro de 2010
barrosão
Armar ao pingarelho
Durão Barroso, presidente da Comissão Europeia, fez ontem o primeiro discurso de sempre do estado da União - uma cerimónia nova a cuja ideia talvez não seja alheio o discurso do mesmo nome que todos os anos o Presidente Obama faz, com audiências televisivas de mais 40 milhões de pessoas.
Tratando-se de Durão Barroso, porém, houve quem tivesse medo de que nem a casa se conseguisse encher. A presidência do Parlamento Europeu inventou umas multas manhosas que seriam aplicadas aos deputados que, no momento da chamada, não premissem um botãozinho de verificação de presença. Não passou pela cabeça de ninguém que seria um pouco humilhante para Durão Barroso partir do princípio que apenas sob ameaça de extorsão alguém aceitasse ouvir o que ele tem para dizer. Mas isto não foi culpa dele.
Mais extraordinário ainda, não passou pela cabeça de ninguém - nem do próprio - que a melhor forma de garantir o interesse por este e por futuros discursos seria fazer, singelamente, um bom discurso. Um discurso em que se dissesse coisas importantes, por exemplo. Quem sabe, coisas relevantes. Com um pouco de sorte, coisas corajosas. Imaginemos, por exemplo, que fosse necessário criticar severamente o líder de um dos estados-membros mais poderosos da União. Um discurso importante, relevante e corajoso não se coibiria de o fazer - e as pessoas seriam capazes de o ouvir, e depois de o recordar.
Mas isto são noções demasiado rebuscadas para certos nichos da eurocracia.
Para alguém que limitasse as suas expectativas ao mínimo, esperar-se-ia uma coisa de um discurso do estado da União. Vá lá, não é difícil: que falasse do estado da União.
Mas não! Juro-vos que não estou a inventar - eu jamais conseguiria inventar tal coisa -, mas o que Durão Barroso fez foi sonhar alto sobre coisas bonitas que seria bom que viessem a acontecer: quero não-sei-quantos empregos verdes, quero crescimento económico e diminuir défices ao mesmo tempo, etc. Mas afinal, e o bendito estado da União? Resumiu-se a uma frase: "Está hoje melhor do que no ano passado."
Não. Não está. Este foi o annus horribilis do projeto europeu. Enquanto a Grécia entrava em colapso, o euro se despedaçava e as agências de rating se precipitavam já sobre as próximas vítimas, tivemos de esperar por uma eleição provincial na Alemanha antes de tentar resolver o problema - tarde, pior e muito mais caro.
E que diremos de um discurso de estado da União que foge à questão mais polémica da União nesse exato momento? Barroso referiu-se primeiro da forma mais oblíqua possível ao caso dos ciganos em França, limitando-se ao mínimo dos mínimos. Instado a responder a questões concretas, fez pior: fugiu, disse que era delicado, que não queria criticar um estado-membro. Pior a emenda que o soneto.
Vamos lá ver: se o presidente da Comissão, "guardiã dos tratados", se cala quando os direitos fundamentais dos europeus - liberdade de movimentos, direito à não-discriminação - estão a ser violados; se o discurso do estado da União não pode falar dos Estados da União -, então talvez seja melhor não inventar ocasiões para armar ao pingarelho.
Saberá Zeus porquê, não se dignaram aparecer nem o representante dos governos, Herman van Rompuy, nem sequer a representante da política externa europeia e vice de Barroso, a senhora Catherine Ashton. Olha, pode ser que os multem.
Por Rui Tavares, Historiador.
Deputado independente ao Parlamento Europeu pelo BE.
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