quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Lateiros


Botas cardadas ameaçam Lobo Antunes

O grupo militar que ameaçou “ir ao focinho de António Lobo Antunes” e o apelidou de «bandalho» e de «atrasado mental» não merece resposta. É produto da guerra injusta a que a ditadura fascista condenou uma geração, é a voz de quem se envergonha de ter estado do lado errado e teme a divulgação dos crimes de guerra.

Graves são as ameaças ao escritor do coronel piloto-aviador, de nome Morais da Silva, que durante o PREC, dissimulado, nunca se soube de que lado se achava e que, agora, pretende processar o escritor por dizer o que pensa.

Mais prudente, o general Chito Rodrigues presidente da Liga dos Antigos Combatentes, uma agremiação que publica uma revista reaccionária e obtém descontos para os sócios, na compra de pneus, desafia o escritor a retratar-se [sic], única palavra usada segundo o novo acordo ortográfico, na carta aberta que lhe dirigiu.

Admito que Lobo Antunes não tenha sido rigoroso no número de mortos que atribuiu ao seu batalhão e tenha errado nas motivações que levavam os tenentes-coronéis a querer «acumular pontos», sem esquecer que uma das companhias era comandada pelo grande intelectual, humanista e democrata Melo Antunes, herói de Abril, que ele tanto admirou.

Mas, como disse há poucos anos o escritor, ainda é cedo para falar da guerra colonial, como se vê pelos guardiães de serviço, como o general Chito Rodrigues que, sendo oficial do Estado-Maior, nunca se terá ferido no capim.

Trinta e seis anos depois do fim da guerra, já é tempo de saber se todos as companhias e batalhões abdicaram da tortura dos prisioneiros; o que sucedia aos presos que a tropa entregava à PIDE; o que faziam os sipaios às populações que os militares prendiam e entregavam à autoridade administrativa; o que lançavam os aviões militares sobre as palhotas e quem matavam; se os portugueses invadiam os países limítrofes e com que fim.

Um país só se reconcilia com a história se a verdade e a justiça triunfarem, não com ameaças de quem ainda crê que defendeu a pátria e a civilização cristã e ocidental, como afirmava a propaganda fascista e clerical.

É tempo de denunciar a escalada reaccionária e a intimidação contra quem pretenda exumar treze anos de guerra. Quando um primeiro-ministro concedeu a dois pides a pensão que negou a Salgueiro Maia, tornaram-se mais ousados os nostálgicos do salazarismo.

A Alpoim Calvão, já sem peito onde coubesse, deram a única venera que lhe faltava, a Jaime Neves mandaram-lhe estrelas de general à reforma e o 10 de Junho, de má memória, integra nostálgicos em manifestações intimidatórias depois de o último PR ir convertendo a data, de novo, no Dia da Raça.

Paulatinamente, o Portugal salazarista vai entrando pelas costuras da nossa incúria. Por isso, neste caso, a solidariedade com Lobo Antunes é uma questão ética e um dever democrático.

Ponte Europa / Sorumbático
posted by Carlos Esperança
http://ponteeuropa.blogspot.com/

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