sexta-feira, 23 de julho de 2010

razões


Razão entendível
por FERNANDA CÂNCIO

Passos Coelho impôs-se ao PSD e apresentou-se ao País em ruptura com a linha política (?) que o seu partido seguia desde 2004. Se o fez por convicção ou pragmatismo (a coisa estava esgotada), é cedo para saber, até porque se demarcou da linha mas não de algumas das pessoas que a de-senvolveram. Mas fê-lo, e em nome da ideia de "uma verdadeira alternativa política".

A alternativa de Passos Coelho, acha qualquer pessoa que acompanhe o seu percurso e discurso há uns tempos, é a liberal. Liberal nos costumes e, sobretudo - até porque de liberalismo nos costumes estamos já bem servidos com o PS - liberal na economia.

Mas é aqui que a coisa, clara como água, se turva. Passos Coelho, que já defendeu a privatização da CGD e da RTP e que pugna por aquilo a que dá o nome de "liberdade de escolha" na saúde e na educação, quer que o princípio da gratuitidade tendencial nessas duas áreas acabe e que cada um pague "segundo as suas possibilidades", o que só pode significar que as pessoas que seriam excluídas, pelo seu nível de vencimento, do acesso livre a escolas e hospitais públicos, passariam a poder investir uma parte do que pagam em impostos noutros sistemas (ou isso ou ficariam pobres, ao pagar duplamente o valor desses dois serviços essenciais) e que o sistema público seria depauperado e limitado.

Ao mesmo tempo, porém, a direcção do PSD vem, pela boca de Miguel Relvas, negar que se queira acabar com o Estado Social, atacando o governo por ter fechado serviços - escolas e centros de saúde - em nome de uma lógica economicista. Portanto, o PSD quer oferecer menos Estado, mas manter os serviços todos abertos por esse país fora e sem olhar a despesas. Lá original é.

Mas nada ultrapassa a história dos despedimentos. Passos quer que a expressão "justa causa" deixe de fundamentar a possibilidade de despedir e esta passe a assentar em "razões atendíveis".

Mas aos que o acusam de querer consagrar a arbitrariedade responde, manso: que não, não quer que se possa despedir sem mais nem menos, que ideia!, é preciso haver motivos, que hão-de ser explicitados na lei ordinária. No seu afã de negar o óbvio, a direcção do PSD chega mesmo a invocar uma lei de Vasco Gonçalves (sim, o dos saneamentos) - quiçá para que acreditemos que a defesa da classe operária é o seu sol na terra.

A gente percebe: não é fácil ganhar eleições a dizer com todas as letras que se vai consagrar a arbitrariedade nos despedimentos (ao mesmo tempo que, pormenor, se apoia um candidato presidencial que representa praticamente tudo o que não se defende); mas isto começa a parecer-se de mais com a fábula da rã e do escorpião. Resta saber se a rã continua crédula.

por FERNANDA CÂNCIO
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