quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Pinòquios


Aceitar voos era difícil por causa dos media e dos “esquerdistas” dentro do PS

El País divulgou os telegramas que confirmam que o Governo deu luz verde à passagem de prisioneiros que saíam da base de Guantánamo a O primeiro-ministro e o ministro
dos Negócios Estrangeiros (MNE) autorizaram que o território nacional fosse sobrevoado por aviões norteamericanos com prisioneiros repatriados da prisão de Guantánamo, e a utilização da base aérea dos Açores nestas operações, publicou o El País ontem à noite, na sua edição online.

O diário espanhol cita diversos telegramasdiplomáticos enviados pela embaixada dos Estados Unidos em Lisboa ao Departamento do Estado, que constam dos 251 mil documentos recolhidos pela WikiLeaks, sublinhando que esta autorização nunca foi publicamente reconhecida pelas autoridades portuguesas.

“Sócrates aceitou permitir o repatriamento de combatentes inimigos de Guantánamo através da base das Lajes”, escreve em telegrama de 7 de Setembro de 2007 o chefe da representação diplomática dos EUA em Lisboa, Alfred Hoffman. “Foi uma decisão
difícil devido às críticas constantes dosmeios de comunicação portugueses e
de elementos esquerdistas do seu próprio partido à actuação do Governo na controvérsia dos voos da CIA”, diz.

Esta nota, enviada dez dias antes de uma reunião de George W. Bush com José Sócrates, refere que a autorização nunca foi tornada pública.

Alguns meses depois, questionado no Parlamento por Francisco Louçã sobre se o Governo autorizara ou tivera conhecimento “de qualquer transporte de prisioneiros da CIA por território português para o gulag de Guantánamo”, assegurou: “Consultei
todos os membros do Governo com responsabilidades neste domínio e devo dizer que o Governo nunca foi consultado sobre essa possibilidade nem nunca autorizou [o sobrevoo
do espaço aéreo ou a aterragem na base das Lajes de aviões destinados ao transporte ou transferência de prisioneiros].

Posso responder-lhe em nome deste Governo que nunca aconteceu termos sido consultados e termos autorizado. Estes dois actos nunca existiram.”

11 de Setembro de 2007

Noutro telegrama, enviado em 11 de Setembro de 2007, o embaixador refere a posição de Luís Amado. Hoffman assinala que Amado autorizou o repatriamento através das Lajes sob a mesma premissa, “caso a caso em determinadas circunstâncias”.

Já em Setembro de 2006 o embaixador relatara uma reunião com o chefe da diplomacia portuguesa sobre os voos de repatriamento, na qual o ministro se compromete a fazer todos os esforços para conseguir uma cooperação de Portugal, desde que haja transparência total da parte norte-americana.

“Se não o fazemos bem pode ser um tremendo fracasso”, escreve Hoff man, citando uma frase de Amado. Citando um outro telegrama, o El País escreve que o ministro admitiu que “os alegados voos da CIA poderão ter sobrevoado Portugal, mas acrescentou que o
seu Governo não tem que se envergonhar de nada”.

No passado dia 7, o MNE, ouvido no Parlamento, assumiu que foram feitas “diligências” por parte dos EUA, distinguindo “voos da CIA” e voos de repatriamento. No entanto, fez ques- tão de garantir que, “se tivesse havido
operação [de repatriamento] ela teria sido pública, para fi car sob escrutínio
público.”

Ao PÚBLICO, a assessora de imprensa do MNE, Paula Mascarenhas, remeteu para as declarações de Amado. “Não houve nada que o Estado português tenha tido conhecimento”, disse.

O assessor de Sócrates Já em Janeiro de 2007, o embaixador escrevia para Washington dando conta de um outro dado relevante: o assessor diplomático de Sócrates, Jorge
Roza de Oliveira, tinha assumido que alguns voos da CIA sobrevoaram Portugal, o que “constitui o primeiro reconhecimento que nos foi feito até agora por um funcionário do Governo português”, escreve o El País.

Ao PÚBLICO, Roza de Oliveira, que já não desempenha aquelas funções, negou em absoluto que o tenha feito: “Não posso ter dito isso, porque nunca tive qualquer conhecimento, pessoal ou impessoal, sobre esse assunto. Como assessor diplomático do primeiro-ministro, não tinha mais conhecimento do que um jornalista e não ouvi mais
que conversas de corredor”, afirma.

Entretanto, o Bloco de Esquerda enviou um requerimento ao primeiroministro, questionando-o sobre se o seu gabinete “teve conhecimento de voos, provenientes de Guantánamo, que tenham atravessado o espaço aéreo nacional ou utilizado instalações
aeronáuticas”. Os bloquistas querem ainda saber, em caso afirmativo, quais os voos, quando se realizaram, quem eram os passageiros e qual o destino.

Riad e Cabul foram destino da maioria dos voos

Os primeiros presos da “guerra ao terrorismo” começaram a chegar a Guantánamo em Janeiro de 2002.

A Casa Branca nunca quis dar informações sobre o número de presos ou as suas nacionalidades, mas aos poucos foi obrigada pela justiça a fornecer listas aos
media e sabe-se que pela prisão na ilha de Cuba passaram 779 suspeitos, a maioria capturados no Afeganistão e no Paquistão.

Quase todos aterraram em Guantánamo em 2002, mas pequenos grupos continuaram a
chegar até à transferência dos 14 suspeitos de envolvimento no 11 de Setembro, que para ali foram a 6 de Setembro de 2006, vindos de prisões secretas geridas pela CIA.

Este foi o último grupo; a partir daí as chegadas à base naval foram muito pontuais, num total de cinco.

As primeiras saídas de presos confirmadas aconteceram em Maio de 2003, quando os EUA
anunciaram a libertação de um e a transferência de quatro detidos para a Arábia Saudita.

A partir daí, as libertações ou transferências de suspeitos que permaneceram presos nos países de origem continuaram a um ritmo mensal e em Setembro de 2007 já tinham deixado a prisão centenas.

Nesse mês sairam 15homens: seis para a Arábia Saudita, outros seis para o Afeganistão, um para o Iémen, um para a Mauritânia e um para a Líbia, todos países que não oferecem garantias de não torturarem ou condenarem à morte.

Nas discussões sobre a passagem por Portugal de voos de repatriamento, o Governo exigiu que os repatriados fossem livres e, ao mesmo tempo, que viajassem para países que não torturam nem condenam à morte.

Os voos de repatriamento continuaram a deixar Guantánamo, tendo por destinos
principais para além do Afeganistão e da Arábia Saudita, a Argélia, o Sudão e Marrocos.

Em Janeiro de 2009, quando Barack Obama tomou posse como Presidente dos EUA e o ministro dos Negócios Estrangeiros, Luís Amado, renovou a oferta de Portugal para receber detidos já inocentados, estavam em Guantánamo 240 homens. Cerca de 60 saíram entretanto. S.L.


Público • Quinta-feira 16 Dezembro 2010

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