segunda-feira, 10 de janeiro de 2011


Os sonhos molhados de Helena Matos

Helena Matos acordou há alguns dias cansada de tanto pesquisar para uma nova série de «Conta-me como foi», sentou-se ao computador e decidiu culpar Toni, o filho mais velho da família Lopes, por todos os desvarios de que hoje somos vítimas – exemplar certamente típico da «geração [de 60] que, não só nos tem governado, como também construiu o mundo imaginário onde vivemos» e que engloba «muitos daqueles que foram jovens um pouco antes ou depois dessa década ícone».

Como a autora não é ignorante, não fala de extraterrestres, nem sequer do Maio de 68 francês, (mas sim de Portugal, de Os Maias e de desejos de Salazar empalhado) e, para além disso, faz acusações relacionadas com factos mais do que recentes (como malefícios de mercados e decisões da senhora Merkel,) é difícil perceber qual é exactamente o alvo que tem em vista.

Quem é que nos governa, ou tem governado recentemente, que tenha sido jovem pouco antes ou pouco depois da década de 60? Sócrates tinha deixado as fraldas há pouco no início e entrava na adolescência no fim, o mesmo se passando aliás com Durão Barroso e Santana Lopes. Mesmo Teixeira dos Santos não tinha acabado o liceu quando arrancaram os anos 70 e nem com uma lupa se descobrirá, no actual governo, quem possa posar para a fotografia. E se quisermos recuar até António Guterres, todos nos recordamos certamente dele, em jovem, como acérrimo defensor do flower power, a caminho de S. Francisco...

Helena Matos também pode querer chegar ao presidente da República e atingir o dr. Cavaco, mas esse nunca alimentou sonhos de ninguém – nem os próprios - e representa tanto a década de 60 como eu os defensores do lince ibérico. Soares já não era jovem na época em questão e Eanes andava aos tiros em África. Resta Sampaio para figurar no tal ícone – com todo o peso da Nação às costas e a reitoria da Clássica como pano de fundo.

A geração de 60 já saiu de cena em Portugal e não é «uma das primeiras em décadas e décadas a ser sucedida por outras que viverão pior». Porque se eu quisesse cair em generalizações fáceis como as do texto em questão, e não quero, diria que a geração que se seguiu imediatamente – a de 70, que é a de Helena Matos – viveu e está a viver muitíssimo bem. Essa, sim, é a safra de Durão, Santana e Sócrates, de dezenas de políticos, jornalistas e comentadores que sonharam ou não com revoluções à chinesa, e depois se entusiasmaram com o El Dorado do consumismo fácil, que alimentaram sonhos megalómanos e tristes que agora acabaram por ruir como baralhos de cartas. Sem que isso os atinja pessoalmente de maneira significativa, como é óbvio.

Usando os seus trunfos, errou por dez anos, dra. Helena Matos. Foram vocês que falharam.


P.S. – Já tinha escrito este post quando li um outro, de Miguel Madeira, que tem uma perspectiva semelhante nalguns pontos. E recomendo a leitura do que Vítor Dias escreveu, já há alguns dias.

http://entreasbrumasdamemoria.blogspot.com/2011/01/os-sonhos-molhados-de-helena-matos.html

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