sexta-feira, 4 de junho de 2010

Modernices & engenhêros

FACEBOOKA-ME

Facebooka-me Rede social, assim lhe chamam as pessoas. O facebook está cheio de gente, pessoas excitadíssimas, doidas por comunicar. Por partilhar ideias, informação, objectivos. Chamam-se "utilizadores" a si mesmos, este imenso e febril pagode, universal e incoerente.

Pretendem, entre outras coisas, banalizar ou mesmo fazer desaparecer a palavra "amigo" - um conceito ultrapassado e completamente fora de moda. Pretendem dar-se a conhecer, fazer qualquer coisa mais ou menos parecida com aquilo a que em tempos se chamava, precisamente, "amizade".

Que se tratava de uma maçada, de um atavismo, uma antiguidade que não tem lugar nem cabimento nas actuais sociedades nem pode fazer parte de um modo de estar e de proceder de quem se quer moderno. Decente. Clean.Pode parecer mais ou menos parecido com o tal arcaísmo mas é afinal diferente.

É moderno, eficaz e súbito, não há tempo a perder neste tempo glorioso que atravessamos, em termos de comunicação, em termos de todos estarmos à beirinha de pensarmos todos o mesmo sobre tudo e tudo sobre o mesmo. No que alguns mal intencionados vêm apenas uma intenção oculta dos poderes que regem o mundo.

Um disparate, um delírio, uma imaginação doentia.Antigamente, antes deste maravilhoso e moderno meio de comunicação, as pessoas davam-se ao trabalho (imagine-se) de se conhecerem, de se irem conhecendo, de frequentarem ideias e convívios, fisicamente próximos (uma promiscuidade) de terem de escolher, ao longo do tempo, muitas vezes por entre adolescências e aprendizagens, quem lhes parecia ser os amigos, as pessoas que viriam a fazer parte da suas vidas por tempo indeterminado, uma escolha sinuosa, cansativa, fosse qual fosse esse tempo e as condições de vida de cada um.Um autêntico disparate.

Uma perda incomensurável de tempo, uma coisa arrastativa, uma pasmaceira social. Desatractiva, lenta, trabalhosa, uma coisa que obrigava a pensar, a reflectir e a julgar. Uma chatice. Felizmente que a tecnologia, aliada a um novo e moderno conceito, a um novo modo simples de estar e de pensar (aliás pensar o menos possível é óptimo, poupam-se incómodos e neurónios) felizmente que trouxe mais valias, mais tempos livres, tempos esses melhor aproveitados, melhor optimizados, como se diz modernamente.

Em que basta uma pessoa inscrever-se naquela coisa maravilhosa, o facebook, para logo dispor de dezenas, centenas, milhares (ou mesmo dezenas de milhar) de amigos, compinchas, pessoas que não vemos nem cheiramos (uma vantagem adicional, esta) e que se nos fartam de comunicar, aduzir, celebrar, propor.

Em suma - e esta é a realidade, a virtude, a vantagem, o maravilhoso de tudo isto - aquilo que dantes dava trabalho e levava tempo, pressupunha sentimentos, emoção, sensibilidade (tudo coisas exaustivas a mais não poder) consegue-se agora com uma facilidade e uma rapidez inequívocas, não custa nada, é só chegar, clicar e já está: fazem-se amigos. Compinchas. Facebookistas.E desfazem-se também, com a mesma facilidade e rapidez.

Foi justamente inventado o termo "desamigar", não sei se já conhecem, que corresponde assim como que a uma espécie de desistência, de mudança para outro ou para outrens. Uma simplicidade.

Ao contrário do que alguns autistas, antiquados e apressados cronistas sugerem - que tudo isto é fruto de uma solidão completa e de toda uma forma de estar e de viver, uma razão, enfim, para as pessoas se procurarem desesperadamente por alguma proximidade ou partilha - bem pelo contrário, com tais frutuosas e modernas formas e manifestaçãos de proximidade virtual, foi afinal banida para sempre, de uma maneira limpa, clara e asséptica, essa antiquada e já ultrapassada expressão - a solidão.

Artigo escrito por Carlos Reis
http://aeiou.visao.pt/facebooka-me=f560866

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