segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Chà a mais

Chá sem ser de chá

É das coisas mais tristes – para nós, portugueses,
que ensinámos os ingleses a beber chá, quando
a pobre Catarina de Bragança casou com o sacana
do Carlos II da Inglaterra – que chamemos
chá a infusões de plantas que nada têm a ver
com a planta do chá.

Dizer “chá de tília” ou “chá de camomila” é como dizer
“café de nêsperas” ou “café de malmequeres”. Ou “tabaco
de camélias”. Fica-nos mal. O que resta da classe trabalhadora
inglesa ainda chama a uma caneca de chá com leite
uma cuppa cha. Os indianos, que tantos bons chás têm,
chamam chai ao chá com leite com muito açúcar que gostam
de beber. Até os japoneses chamam cha ao chá.

Não sei onde os portugueses foram buscar a palavra
chá. Só sei que, entre os candidatos possíveis – da Índia
e do Ceilão até à China e ao Japão –, nenhum deles usa o
nome das deliciosas e infi nitamente variáveis de plantas
e folhas do chá para falar de inferioríssimas tisanas com
outras plantas que reagem à água quente.

A semana passada, numa boa mercearia aonde fui para
comprar chá, dei com uma longa prateleira de caixinhas
auto-intituladas de chás (de hortelã-pimenta ao diabo-asete)
onde não havia nem sequer uma caixinha de chá.
Nem Lipton’s. Nem sequer em saquinhos.

Partilhei a minha exasperação com o patrão – e ele, como
filósofo sempre curioso que é, respondeu: “É verdade.
Anda tudo trocado.” E riu-se, com generosidade, encolhendo
e repetindo “Há chá de tudo menos de chá...”
Porque é que será?

Miguel Esteves Cardoso
Publico 20/12/2010

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