sábado, 18 de setembro de 2010

Fretes


Os lacaios do 'socialismo'

Há muito tempo que não lia o Avante!, confesso. Faço mal. É instrutivo ler o Avante!.

E divertido, sobretudo para quem aprecia o non sense e não se incomoda com o humor negro. Para quem, por exemplo, ao ler uma notícia na edição de 8 de Julho sobre o primeiro congresso do Partido Comunista Romeno em que se reproduzem as palavras do seu líder (o derrube do regime de Ceausescu em 1989 resultou num "genocídio social") e se anota o "minuto de silêncio" observado "pelas vítimas do capitalismo" (ou seja, as vítimas da democracia que permitiu à Roménia entrar na UE) não se escandalize com a total falta de referências aos pavores do ceausesquismo - das perseguições dos opositores pela Securitate à política de natalidade forçada e às casas de extermínio que eram os orfanatos romenos.

Ou para quem não coma o chapéu ao ler, a 22 de Julho, por um Ângelo Alves, o "desmascarar" da "teoria dos media dominantes" sobre os 52 presos políticos cuja libertação o Governo de Cuba anunciou. Ficamos a saber que, longe de "inocentes e desprotegidos cidadãos cubanos cujo crime seria o de discordarem do regime político da ilha socialista", foram condenados por ter recebido "de países estrangeiros (os EUA) fundos e materiais para conspirar contra o Estado cubano" e "derrubar, se necessário pela força e por via de uma invasão militar estrangeira, as instituições cubanas, convocar um parlamento e nomear um governo provisório que tivesse como missão desmantelar o Estado e a Constituição socialistas em Cuba."

Por que raio, então, foram libertados? Não interessa: na entrevista ao secretário executivo da União dos Juristas de Cuba que dois meses depois (ontem), o Avante! publica, o assunto não é sequer abordado. O caso de cinco cubanos presos nos EUA por espionagem (sem provas, claro) e a "ameaça israelo- -norte-americana ao Irão" são o destaque da conversa, na qual pelo meio o jurista explica o processo cubano de "melhorar o socialismo": passa por "acabar com a ineficiência, a improdutividade, a burocracia, o paternalismo, para que o Estado não tenha de continuar a supervisionar tudo" e "recolocar noutros postos um milhão de trabalhadores".

A justificação da "recolocação" - que os malandros dos media dominantes chamam despedimento - é simples: "Existe uma grande quantidade de pessoas que recebem salário sem retribuir à sociedade." Um décimo dos cubanos rotulados de mandriões, mas qual é o problema? Problema era se fosse num país capitalista - tradução, num país em que o PCP ou um partido que considere "amigo" não esteja no poder.

Cuba pode despedir um milhão - será sempre socialista; a Coreia do Norte pode nunca ter tido eleições - o povo escolhe na mesma (Francisco Lopes dixit). Já em Portugal, o Avante! exige "um aumento de 50 euros para todos os funcionários públicos". Pois claro. E os outros é que são lacaios.

Opinião
por FERNANDA CÂNCIO
http://dn.sapo.pt/

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