sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Socialismo... (1)

Obrigado Senhora Deputada.
zézen



Socialismo, mas pouco...

No dia 9 de Setembro, no Parlamento Europeu, todos os deputados socialistas portugueses votaram sem hesitações a favor de uma resolução que "expressava profunda preocupação pelas medidas tomadas pelas autoridades francesas e de outros Estados Membros tendo por alvo os ciganos", instando tais autoridades a imediatamente suspender as expulsões e apelando à Comissão, Conselho e a outros Estados Membros que interviessem nesse sentido.

Tratou-se de uma resolução activamente promovida pelo Grupo dos Socialistas e Democratas, em que se integram os socialistas portugueses. Com linguagem moderada, em resultado de intensas negociações entre todos os grupos políticos. Nos debates com Durão Barroso e Viviane Reding, na manhã e na tarde do dia 7, todos os intervenientes socialistas, encabeçados pelo líder Martin Shultz, não pouparam na invectivação das expulsões colectivas estigmatizantes de Sarkozy e de outros governos europeus e na condenação da inacção da Comissão Europeia diante de tão acintosas violações do Tratado de Lisboa e dos direitos humanos fundamentais.

Incredulidade e apreensão - foram as minhas primeiras reacções às notícias de que o Grupo Parlamentar do PS, na 6a.feira passada, se dividira no voto de um texto proposto pelo BE, que visava associar a AR ao voto do PE. Por não ser o PS a tomar a iniciativa e por revelar descoordenação entre o que o PS faz na AR e no PE, ainda por cima num assunto de excepcional sensibilidade política (ao ponto de, finalmente, levar Durão Barroso a engrossar a voz face ao seu correlegionário de direita Sarkozy no último Conselho Europeu).

Vergonha e amargura - é o que expresso agora, depois de ter falado com deputados socialistas na AR para apurar o que se passou: "ordens de cima!" E só um socialista - Sérgio Sousa Pinto, a quem presto homenagem - teve a coragem de votar de acordo com a sua consciência, além de mais 14 que encontraram formas menos afirmativas de se dissociar de tão indecorosas instruções.

Ordens que terão sido inspiradas por instâncias governamentais. Instâncias tacanhas no entendimento do que é a política externa, pois ainda que se justificasse uma demonstração de "real politik" (e não se justificava, estando em causa a lei europeia e direitos humanos fundamentais), tal exercício não caberia a parlamentos, mas sim a governos.

Ordens insuportáveis, por serem politicamente indefensáveis ("o Sarko é amigo"...); por contradizerem o património histórico e político do PS, quer quanto ao respeito pelos direitos humanos em geral, quer quanto ao empenhamento dos seus governos - incluindo este - na inclusão da comunidade cigana em Portugal; e, finalmente, por serem ofensivas do que deve corresponder à consciência política de um/uma socialista.

Para registo: diante de tais ordens, eu desobedeço.

Publicado por Ana Gomes
http://causa-nossa.blogspot.com

2 comentários:

  1. [Publicado por AG]in Causa Nossa

    Resposta ao Deputado Francisco Assis

    Aqui reproduzo a minha carta, por julgar que o que debatemos é útil ao esclarecimento político no PS e no país.

    "Meu caro Francisco Assis,

    Agradeço o seu email de ontem e tomo nota da sua reacção "directa e frontal", como sublinha e como eu aprecio. Reajo também, assim, aos dois erros que me aponta:
    1. O de ordem factual:
    Diz o Francisco que a decisão sobre o voto do Grupo Parlamentar do PS na passada 6a.feira foi tomada por si. Não duvido, não só porque o diz, mas por ser de esperar que o chefe do Grupo determine orientações de voto.
    Como chega o chefe à decisão e como a consensualiza ou impõe, essas são outras questões, uma a montante, outra a juzante. E à questão a montante me referi eu, ao aludir a "ordens de cima".
    Pode o Francisco garantir-me que não recebeu, antes de tomar a decisão de instruir a bancada como instruiu, nenhuma orientação de "instâncias governamentais" a recomendar-lhe que determinasse aquele mesmo sentido de voto?

    2. Sobre o "direito de avaliar as decisões políticas a partir de um escrutíneo subjectivo de eventuais motivações subjacentes às mesmas".
    O Francisco diz que eu o não tenho. Eu acho que tenho - faz parte do exercício da cidadania e até das minhas mais elementares responsabilidades, como deputada eleita. Então uma deputada, uma militante, uma cidadã, não tem o direito de buscar e compreender as motivações subjacentes (individuais ou colectivas) às decisões políticas tomadas pelo seu Partido? Não só tem o direito, como o dever.
    E chocando tanto as motivações, como as decisões resultantes, julgo ter o direito, e o dever, de criticar. Em privado, no foro partidário, as mais das vezes, se for a tempo. Em público, quando as decisões políticas e respectivas motivações têm particular gravidade e inegável impacto público. E tiveram ambos, neste caso concreto, desde logo porque 15 deputados socialistas não puderam, em consciência, seguir as indicações de voto do PS e outros fizeram constar como se sentiam desconfortáveis. Tiveram gravidade e impacto, também, porque o posicionamento do PS na AR mostra descoordenação com o PS no Parlamento Europeu e contradiz a orientação do Grupo Político que o PS ali integra.
    Mais relevante, ainda, é para mim a essência da posição tomada pelo PS: considero perigoso e contrário ao património do PS e aos interesses de Portugal que a bancada socialista se tenha dissociado de uma condenação na AR do Governo do Presidente Sarkozy (ou qualquer outro) por promover a expulsão colectiva de cidadãos europeus com base na etnia.
    Não aceito o argumento da dignidade institucional do Parlamento: se se justificasse, a "real politik" caberia porventura ao Governo, não ao Parlamento. E qualquer jogada de "real politik" tem de conhecer limites morais e éticos.
    Aqui teremos, também, perspectivas diferentes: o Francisco considera que "a confusão entre a decisão política e a proclamação moral" constitui lamentável erro e "empobrece a política e não protege a moral". Eu, pelo meu lado, não sei fazer política sem me determinar por considerações morais e éticas. A minha consciência política também é moral e ética. Na minha óptica, imperativos morais e éticos devem prevalecer sobre alianças políticas tácticas, sobretudo quando se opta entre protestar ou guardar silêncio perante um grave precedente de desrespeito pelo direito europeu que envolve violação dos direitos humanos. Essa vertigem da separação entre moral/ética e a política está a cavar, entendo eu, um cada vez maior fosso entre os cidadãos e os partidos políticos.
    O Francisco Assis faz-me notar que actuou de acordo com a sua consciência. Tenho muita pena, é o que posso dizer. Tal não afecta, porém, a muita estima e admiração que tenho por si.
    Aceite as cordiais saudações socialistas da
    Ana Gomes"

    ResponderEliminar
  2. Carta do Deputado Francisco Assis
    [Publicado por AG] in Causa Nossa

    Minha Cara Ana Gomes,

    Li, há pouco, declarações suas a propósito de uma votação ocorrida na Assembleia da República, na passada 6ª feira, que merecem a minha reacção. Directa e frontal. Como é minha característica e julgo ser sua expectativa.
    A Ana Gomes, como qualquer outro cidadão ou cidadã, tem todo o direito de criticar publicamente as orientações de voto do Grupo Parlamentar do PS na Assembleia da República.
    O exercício de funções políticas não pode originar qualquer tipo de restrição à liberdade de expressão de quem quer que seja. E não vejo mal nenhum em que as divergências se assumam publicamente. Isso é, aliás, prática corrente num grande partido pluralista e democrático, como é o PS.
    Julgo, porém, que o exercício de funções políticas obriga a uma preocupação adicional de rigor e seriedade. Isso faz parte do núcleo das nossas responsabilidades especiais.
    E a Ana Gomes não respeitou essas obrigações. Cometeu dois erros que não posso deixar passar em claro.
    Um de ordem factual: não é verdade que os deputados do PS tenham votado de acordo com orientações “vindas de cima”, para usar a sua expressão. A decisão foi tomada por mim e devidamente explicitada pela Deputada Maria de Belém Roseira. Tomei-a, na convicção de que a Assembleia da República não deveria aprovar aquele voto em concreto. Ao tomá-la agi de acordo com a minha consciência e entendendo que estava a preservar a dignidade institucional do Parlamento português, sem que daí se pudesse inferir qualquer apoio no Grupo Parlamentar do PS à política prosseguida pelo Presidente francês.
    O segundo erro é igualmente grave. A Ana Gomes não tem o direito de avaliar as decisões políticas a partir de um escrutínio subjectivo de eventuais motivações subjacentes às mesmas. Quem lhe atribui o poder de determinar quem age segundo a sua consciência ou aviltando repelentemente a mesma? Que estranho demiurgo fez tal escolha? Com que legitimidade? Em função de que critérios?
    A confusão entre a decisão política e a proclamação moral constitui um dos mais lamentáveis erros do nosso tempo. Com gravíssimas consequências. Empobrece a política e não protege a moral.
    Minha Cara Ana Gomes aqui fica o meu reparo, que não diminui em nada a estima que lhe dedico e que, como sabe, é muita.
    (Francisco Assis)

    ResponderEliminar