quinta-feira, 8 de julho de 2010

Leituras



Carlos Brito (Moçambique, 1933) foi durante mais de três décadas um dos mais destacados dirigentes comunistas. Saiu do PCP e, passado um período de nojo, publicou Álvaro Cunhal, Sete Fôlegos do Combatente (Edições – Nelson de Matos) – um testemunho memorialista sobre as suas relações com o líder dos comunistas portugueses.

O autor usa, ao longo de quase 400 páginas, uma memória selectiva que lhe permite circular em dois sentido (ou dois fôlegos). Quando utiliza um dos sentidos, não analisa os factos passados a partir da visão actual.

Por exemplo, quando escreve que em «1999, após o seu regresso de facto ao comando do Partido, impondo a férrea obediência da ortodoxia conservadora à Direcção vigente» ou quando se indigna com a intervenção de Cunhal no XII Congresso, em 1988, acusando os «camaradas que contestavam ou criticavam» de estarem «inseridos na campanha anti-PCP», Carlos Brito não quis projectar estas apreciações para trás, até 1966, quando se encontrou com Cunhal num café da Place de Clichy, em Paris.

Isso incomoda-o porque teria de concluir que o líder dos comunistas sempre impôs, desde que fugiu de Peniche, «a férrea obediência da ortodoxia conservadora à Direcção» e sempre acusou os «que contestavam» de agentes anti-partido. E que ele, Carlos Brito, durante três décadas, foi um homem de mão de Cunhal na aplicação dessa visão «ideológica». Quando utiliza o outro sentido, analisa os factos passados, incluindo os fôlegos de Cunhal, a partir da sua visão actual, e não com a que tinha na altura, e que o levou a estar sempre de acordo com o camarada secretário-geral.

Por exemplo, «A sublimação do factor militar (…) é que explica que Álvaro Cunhal tenha sido surpreendido pelo 25 de Abril» ou que nesta «altura ainda não tinha percebido o Movimento das Forças Armadas». Os exemplos multiplicam-se, às dezenas, em toda a narrativa e seria fastidioso enumerá-los.

Esta duplicidade de critérios transforma o testemunho de Carlos Brito num ajuste de contas com Álvaro Cunhal e, sobretudo, com Carlos Costa e a actual direcção do PCP. Nem podia ser de outro modo: são as memórias do Autor.

Por Tomás Vasques
http://hojehaconquilhas.blogs.sapo.pt/

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